Pular para o conteúdo principal

* O ano em que não morremos

Nós vimos a morte de perto e de longe, dos lados, pela frente e aos fundos, mas a vida insistiu em existir, veio em gotas e a vontade era de tomar um porre, várias overdoses

Por Aristides Barros 


Era um dia normal, não chovia nem fazia sol. Foi assim que, sem mais nem menos, os medos vieram e começaram a bater na porta. As pessoas iam se distanciando, já não se via mais ninguém.


Os que já habitavam nos seus “mundinhos” se trancaram de vez. A vida aberta aos poucos ia se fechando, perdia o rumo. A liberdade dá sentido a ela e sem isso desfalecemos, encarcerados nas coisas que nos prendem ao ego. Olho muita gente livre, à toa, que vive presa em si.


Todos distanciados se preocupavam com quem estava longe, porque a morte, como nunca havia acontecido antes, esteve sempre muito próxima, presente. Ficou tão rotineira no nosso dia a dia que praticamente virou parte das famílias, que ela, diariamente, devastava.


Na sua surdez, Beethoven ouviu ela bater três vezes na porta e Jesus a venceu no terceiro dia. De alguma forma tentamos uma vitória sobre a inseparável companheira da vida. 


O meu amigo morreu e os amigos dele foram morrendo um a um, às vezes dois, três, mais!!! Morreram todos. Não eram heróis, eram só nossos amigos. Ironicamente, lembrei da canção do Cazuza, e deles todos que morreram sem tomar nenhuma dose. Game over!  


Fomos jogando eles nas covas sem despedidas, sem adeus. Tudo às pressas, como se tivessem cometido tanto mal que não merecessem sequer um segundo a mais acima da terra. Jovens e idosos, homens e mulheres; vidas novas e velhas foram guardadas para nunca mais serem usadas. 


A dor da perda se compara a abrir o peito com as próprias mãos e jogar uma bomba lá dentro, por fora fica tudo intacto e a gente vai implodindo todos os dias, andando aos pedaços, completamente devastados, se decompondo e recompondo, porque viver é preciso. Para contar o que passamos, o quanto sofremos, o medo que sentimos.


Às vezes, nos sentimos culpados pelo pouco, ou nada, que fizemos para impedir que fossem levados. O grande vazio que nos separa deles é aprofundado pela indagação de que se errarmos novamente, então, quantos erros, mortos e feridos, ainda serão necessários e permitidos para aprendermos a evitar o aumento do número de espíritos que esperam fazer justiça no Vale Sagrado da Morte, como li em uma história indígena. Tupã! aumente nossa coragem e nos fortaleça para combatermos aqueles que querem nos sucumbir.


É preciso sempre lembrar para não esquecer nunca mais, tentar não cometer os mesmos erros nunca mais. Lembrar para não esquecer. Gosto dessa frase que traz o gosto de revolta de um tempo que nos fez tão mortais, e distantes um do outro.


Semelhante a agora, da doença desses dias terríveis, naquela época uma enfermidade também se resumia em morte, em portas trancadas, amigos e famílias separadas, sonhos e vidas interrompidas. Jovens e idosos, homens e mulheres, vidas novas e velhas que desapareciam para nunca mais serem encontradas.


Incrível! Igual a hoje, aqueles, daquela época, negavam a vida, se ocupavam de mentir, matar e destruir. Tristes semelhanças. Ironicamente, lembrei de novo da canção do Cazuza “meus inimigos estão no poder”.


São tempos sombrios esses rebuscados da Idade Média, trouxeram com eles a versão da peste bubônica para ilustrar pior o quadro de obscurantismo do mundo caótico conduzido pelo retrocesso. 


Os ratos continuam ocupando espaços importantes. Nas suas importâncias não existe compaixão, respeito, misericórdia, amor à vida, e nem por nada que a dignifique. Aniquilam tudo, roem e corroem todas as suas estruturas, pragas de gafanhotos a fazer uma péssima colheita na plantação.


Um só homem é capaz de destruir milhões de pessoas com o que saindo de suas tripas chega à boca e ao arrotar encontra abrigo em mentes ruminantes, tão podres e imundas quanto a dele.  


Nós vimos a morte de perto e de longe, dos lados, pela frente e aos fundos, mas a vida insistiu em existir, veio em gotas! E a vontade era de tomar um porre, várias overdoses. Exagerado! Êh! Cazuza.


Fazer um rock ensurdecedor após ouvir as três batidas que levaram Beethoven à quinta sinfonia e, enlouquecidamente, gritar a todos: levantem e andem com os braços prontos para tomar o “pico” mais vivificante do mundo, que os que partiram tomariam e ficariam um pouco mais, mas não tiveram tempo.


Na carne, a dor leve da agulha teve a sensação de vingança líquida entrando na veia. A melhor vingança é viver porque os algozes assassinos morrem com isso. Sentem-se impotentes, vencidos e derrotados, quando não conseguem êxito em matar. 


Foi um momento de solidão repleto da presença das pessoas desconhecidas, todas elas mortas. Mas agora estão alegres porque a vida recebeu injeção de ânimo contra os filhos e filhas das putas, e dos putos que não as livraram do mal.


Da janela de casa, olhando para o céu, a Rafinha disse que o sol ia sair para levar o ‘vírus covid’ embora, e a gente ia poder sair pra passear. Ela não é profetisa, é só uma criança de três anos, e as crianças sabem mais coisas do que os adultos, conseguem ser felizes dentro do caos.  


A felicidade é igual a uma bomba de mil megatons que te explode em mil bolhas transparentes e coloridas e você ri à toa. Livre, dança nas nuvens com a garota mais bonita de outros planetas. Lucy in the sky with diamonds.


O mal ainda não passou, as pessoas continuam morrendo e vão continuar a morrer, porque a vida não se separa da morte. Mas, quando separamos os imbecis da vida até a morte se alegra, porque ela chega cumprindo o seu e o nosso destino, não a imposição de tiranos, monstros e covardes, que também são arrancados do mundo num piscar de olhos. Porém, antes um aborto a eles para que não viessem e vissem a luz do dia, que ofuscam com a treva. 


Quando tudo acabar, o sol vai brilhar como nunca antes havia brilhado, você vai ver.


* Escrito em 20/11/2021


 Dimitre e Vitória Larissa - MAR ABERTO   


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Expulsos pelo DER e abandonados pela Prefeitura de Bertioga

Famílias que vivem em Bertioga muito antes dela ser cidade são despejadas sem o menor respeito aos caiçaras   Por Aristide Barros Moradores estão à espera de soluções Ao menos cinco famílias, totalizando cerca de 13 pessoas - entre elas homens, mulheres, crianças e idosos, alguns deles com problemas de saúde em razão da idade avançada - lutam pelo direito a ter onde morar.  A luta é contra a Prefeitura de Bertioga e começou quando o Departamento de Estrada de Rodagem de São Paulo (DER) via reintegração de posse desabrigou as famílias que moravam (pasmem) embaixo de uma ponte na Rodovia Rio-Santos, que passa sobre o Rio Guaratuba.  O órgão estatal as tirou do local no dia 16 de setembro deste ano e a administração municipal bertioguense “dorme tranquila” sem dar nenhuma resposta sobre onde elas vão poder morar.  Diante da impotência das duas esferas de governo - estado e município - em oferecer o que tiraram delas: um local digno para viver, tão logo foram despej...

Sancler: “primeiro o vereador tem de se fiscalizar para depois fiscalizar o prefeito”

O pré-candidato defende um Legislativo atento às próprias ações para ter condições morais de exercer o poder fiscalizador sobre o Executivo Por Aristides Barros Para Sancler ações da Câmara "espelham" a prefeitura Pessoas honestas cobram honestidade. Esse é o entendimento do pré-candidato a vereador Benedito Sancler Teles dos Santos (PT), o Sancler, sobre o que ele acredita ser determinante para uma relação saudável entre Legislativo e Executivo, com a positividade dela gerando bons trabalhos para a cidade.  “Bertioga e a sua população deveriam ser os maiores beneficiados pelas ações da Câmara e da prefeitura, ser o alvo principal de tudo o que for pretendido pelos vereadores e prefeito. Não tem sido assim, a cidade carece de políticas públicas e a falta delas penaliza ainda mais as pessoas e as famílias em condições de vulnerabilidade”, afirma o petista.  “Então, a gente precisa construir políticas públicas, ouvir o povo, levar as necessidades dele ao prefeito, que é a pesso...

Bertioga não tem uma boa educação

Educação não se mede pelo IDEB  Por Claudemir Belintane (*) Professor universitário faz alerta para comunidade estudantil - Foto: Tânia Rego  / Agência Brasil Nas eleições municipais deste ano, muitos prefeitos afirmavam que em suas gestões a educação teria avançado bastante e citavam o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) do Município, que teria alcançado ou superado a meta prevista. Infelizmente o povo e às vezes até mesmo educadores não entendem que o IDEB é um índice geral muito precário e que não serve para indicar avanços qualitativos no panorama nacional, estadual ou regional da educação. Além de não servir como parâmetro e avanços nem em Língua Portuguesa, nem em Matemática, o IDEB é também muito fácil de ser fraudado ou mesmo manipulado. Então, como nós, cidadãos, podemos saber se uma rede escolar ou a educação de um município vai bem? O teste é simples e objetivo, você mesmo pode fazer. Vamos lá!? Tomemos como exemplo o município de Bertioga e vejamos ...