Pular para o conteúdo principal

Em poucas horas reintegração de posse acaba com 10 anos de trabalho social, em Bertioga

No local viviam em torno de 20 pessoas em situação de rua e todas tiveram de sair, a maioria tem problemas de dependência química

Por Aristides Barros


Por anos casa abrigou pessoas em situação de rua
 

Uma área extensa com muro frontal e duas edificações sendo que uma delas sediava a Igreja Pentecostal Shekinah da Glória de Deus, rua Rua Dr Lincoln Bolivar Neves, 1557, na Chácara Vista Linda, em Bertioga, foi alvo de uma ação de reintegração de posse na manhã desta quarta-feira (04). 


O local abrigava aproximadamente 20 homens que viviam em situação de rua, com a maioria deles sofrendo de dependência química e ao menos dois idosos aparentam ter problemas mentais e um outro teria Alzheimer, todos tiveram de deixar a “casa”. 


O comum entre eles foi a mão estendida do Pastor Daniel, 37 anos de idade, que os abrigou, dando-lhes o local como lar, objetivando com isso reconduzir os abrigados ao convívio social e às suas respectivas famílias, o que consegue por meio de acolhimento espiritual evangelizador. 


O religioso já vem fazendo esse trabalho social já há 10 anos e há sete utilizava o local para abrigar os excluídos da sociedade. Conforme ele, em poucas horas a reintegração de posse terminou com um trabalho de anos, e que na cidade recebe pouca atenção do Poder Público. 


A questão das pessoas que vivem em situação de rua se agrava em Bertioga, que não tem políticas públicas voltadas a elas. Enxotá-los não resolve o problema que vai tomando proporções alarmantes. Os poucos espaços no município que se ocupam do problema  acabam sendo tão ou mais marginalizados que os próprios “moradores” em situação de rua.


Em junho deste ano, um “método pouco ortódoxo” de resolver o problema viralizou nas redes sociais, quando um carro oficial da Prefeitura de Bertioga foi flagrado “descartando” pessoas em situação de rua na cidade de Mogi das Cruzes. 


O caso gerou um constrangimento nas relações intermunicipais Bertioga / Mogi. O  prefeito mogiano, Caio Cunha (Podemos), disse à época, que iria tomar as medidas judiciais cabíveis contra a prefeitura bertioguense. 


Idoso debilitado teve de sair do local carregado 

Religioso afirma que vai continuar na luta, o Pastor Daniel disse que não vai cessar seu trabalho em favor dos excluídos da sociedade. Sem dar detalhes, ele falou que vai recorrer da decisão judicial que levou seus assistidos a saírem do local, em face de seu advogado ter percebido falhas no processo reintegratório. 


“Sei quais são os meus direitos enquanto estive por anos nesse local que trabalhei, cuidei e arrumei, para receber as pessoas que eu trouxe para cá. Eu amparei eles quando vieram à minha porta, não vou desampará-los agora que fecharam as portas para nós”, aludiu se referindo a decisão judicial reintegratória. 


O Pastor Daniel teria um acordo informal com o dono do imóvel para ficar no local onde já estava há sete anos. Tempos depois, a esposa do proprietário reivindicou a posse, resultando na saída forçosa. A ação foi acompanhada pela advogada da requerente do imovel, um oficial de Justiça e duas guarnições da Polícia Militar.  


Homens com medo de “cair” novamente


No rosto a preocupação pela perda do local onde se reerguer

A reportagem conversou com o bertioguense Jorge José Aparecidos dos Santos, 59 anos, que chegou no local há cinco anos. Ele afirma que já está a quatro anos limpo. “Eu morava no mato, vivia embriagado, cheguei bem debilitado, bem ruim, há quatro anos estou em paz”, disse aliviado e depois, tenso, finalizou. “Todos estão com medo de recair”


Santos fala da extensão dos benefícios humanos desenvolvidos pela casa ao relatar que “Nestes cinco anos mais de três mil pessoas já passaram por aqui e hoje estão bem, estão firmes, muitas voltaram renovadas para suas famílias”. 


Identificado pelo primeiro nome, Rafael resumiu. “Vivi anos me drogando e estou aqui há duas semanas e nesses 14 dias estou limpo”. Demonstrando estar sob forte tensão afirmou. “Cheguei aqui todo quebrado, todo arrebentado, no fundo do poço. Estou com medo de sair daqui e ter uma recaída”


O guarujaense Valdir Tomás de Aquino, 52 anos, que estava há dois anos no local relatou. “Há dois anos não sou usuário, esse lugar me ajudou até agora, me levou na caminhada de Deus, aprendi sobre Jesus Cristo”, externou. 


“O meu medo é sair sem ter para onde ir ter a recaída”, disse. “Sou de Guarujá, minha família está lá, duas filhas e ex-esposa. Compliquei muito a vida delas”, falou demonstrando arrependimento. 


“Esse lugar mudou a minha vida. Quando cheguei aqui eu não era homem, eu era um lixo. O pastor fez eu me levantar”, reconheceu. Sobre o futuro e o momento de tensão falou. “Tudo é plano de Deus, se for vontade dele tudo vai ser feito”


Na observação da fala do guarujaense um fato confrontou a justiça dos homens e a divina: condenação e absolvição. Tão logo foram colocados na rua, os “desintegrados” receberam acolhida em uma casa na mesma, ligada ao Pastor César (Igreja Peniel), também realizador de obras sociais. No desfecho cabe a frase: Deus fecha uma porta e abre uma janela. 


Pastor Daniel (à esq do homem de agasalho escuro) não vai desistir de ajudá-los
 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Expulsos pelo DER e abandonados pela Prefeitura de Bertioga

Famílias que vivem em Bertioga muito antes dela ser cidade são despejadas sem o menor respeito aos caiçaras   Por Aristide Barros Moradores estão à espera de soluções Ao menos cinco famílias, totalizando cerca de 13 pessoas - entre elas homens, mulheres, crianças e idosos, alguns deles com problemas de saúde em razão da idade avançada - lutam pelo direito a ter onde morar.  A luta é contra a Prefeitura de Bertioga e começou quando o Departamento de Estrada de Rodagem de São Paulo (DER) via reintegração de posse desabrigou as famílias que moravam (pasmem) embaixo de uma ponte na Rodovia Rio-Santos, que passa sobre o Rio Guaratuba.  O órgão estatal as tirou do local no dia 16 de setembro deste ano e a administração municipal bertioguense “dorme tranquila” sem dar nenhuma resposta sobre onde elas vão poder morar.  Diante da impotência das duas esferas de governo - estado e município - em oferecer o que tiraram delas: um local digno para viver, tão logo foram despej...

Bertioga não tem uma boa educação

Educação não se mede pelo IDEB  Por Claudemir Belintane (*) Professor universitário faz alerta para comunidade estudantil - Foto: Tânia Rego  / Agência Brasil Nas eleições municipais deste ano, muitos prefeitos afirmavam que em suas gestões a educação teria avançado bastante e citavam o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) do Município, que teria alcançado ou superado a meta prevista. Infelizmente o povo e às vezes até mesmo educadores não entendem que o IDEB é um índice geral muito precário e que não serve para indicar avanços qualitativos no panorama nacional, estadual ou regional da educação. Além de não servir como parâmetro e avanços nem em Língua Portuguesa, nem em Matemática, o IDEB é também muito fácil de ser fraudado ou mesmo manipulado. Então, como nós, cidadãos, podemos saber se uma rede escolar ou a educação de um município vai bem? O teste é simples e objetivo, você mesmo pode fazer. Vamos lá!? Tomemos como exemplo o município de Bertioga e vejamos ...

Sancler: “primeiro o vereador tem de se fiscalizar para depois fiscalizar o prefeito”

O pré-candidato defende um Legislativo atento às próprias ações para ter condições morais de exercer o poder fiscalizador sobre o Executivo Por Aristides Barros Para Sancler ações da Câmara "espelham" a prefeitura Pessoas honestas cobram honestidade. Esse é o entendimento do pré-candidato a vereador Benedito Sancler Teles dos Santos (PT), o Sancler, sobre o que ele acredita ser determinante para uma relação saudável entre Legislativo e Executivo, com a positividade dela gerando bons trabalhos para a cidade.  “Bertioga e a sua população deveriam ser os maiores beneficiados pelas ações da Câmara e da prefeitura, ser o alvo principal de tudo o que for pretendido pelos vereadores e prefeito. Não tem sido assim, a cidade carece de políticas públicas e a falta delas penaliza ainda mais as pessoas e as famílias em condições de vulnerabilidade”, afirma o petista.  “Então, a gente precisa construir políticas públicas, ouvir o povo, levar as necessidades dele ao prefeito, que é a pesso...